Metade dos calouros na faculdade em 2010 trocaram de turma, de instituição ou abandonaram o curso
Crédito: Cecília Bastos/USP Imagens
Quase 56% dos alunos que entraram na faculdade em 2010 não se formaram com os colegas do curso de graduação no qual se matricularam. Abandonos ou trocas de instituição de ensino justificam os percentuais apontados nos dados inéditos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que acompanhou a trajetória dos universitários entre 2010 e 2015 com base no Censo da Educação Superior.
O percentual é equivalente a 1.392.586 estudantes. O estudo não aponta exatamente quantos deles, além de abandonarem o curso, também deixaram o sonho de se formar em uma faculdade. As desistências podem estar relacionadas a mudanças de universidade, de curso e até de turno em relação à matrícula feita em 2010.
Especialistas ouvidos pelo G1 dizem que o índice é alto e apontam como causas do abandono a educação básica pública deficitária, que não habilita o aluno recém-saído do ensino médio para a universidade; a crise financeira pelo qual atravessa o país; o fato de o estudante ter de escolher a carreira muito jovem e a falta de atratividade dos modelos de ensino.
Em 2010, esses alunos ingressaram em 24.603 cursos de 2.209 instituições de ensino superior. Entre as desistências, 84,4% eram de alunos matriculados em instituições privadas (o equivalente a 1.161.836 pessoas) e 16,6% em públicas, o que representa, em números absolutos, 230.750 pessoas.
A maior taxa de desistência (16,7%) ocorreu quando estes universitários estavam no segundo ano do curso. No primeiro e no terceiro anos, o índice girou em torno de 10%. A menor desistência, de 3,5%, foi registrada no último ano do curso. Em seis anos, o Inep registrou 1.081 mortes de universitários que se matricularam em 2010.
“Acho o número de 55,6% [de desistência] bem alto, mas há 10 ou 20 anos possivelmente era mais alto, o que nem sempre é negativo. O desafio agora é garantir a permanência do aluno no ensino superior, a maioria na rede privada e grande parte de baixa renda”, afirma Ernesto Faria, diretor executivo do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede).
Países da Europa, por exemplo, têm taxas muito mais altas de conclusão no ensino superior. Como parâmetro, 80% dos estudantes de ingressaram na universidade na França em 2008 concluíram o curso quatro anos depois. Ainda de acordo com dados do Education at a Glance 2013, a taxa de conclusão em países como Bélgica, Finlândia, Turquia, Reino Unido e Holanda ultrapassa a casa dos 70%, no mesmo período.
Administração no topo
Em números absolutos, o curso com mais desistentes foi o de administração, seguido por direito, engenharia, pedagogia e ciências contábeis. Esses são também os cursos que mais tiveram ingressantes em 2010.
O G1 considerou a área dos cursos de graduação segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para fazer o levantamento, já que os nomes das formações não seguem um padrão entre as instituições de ensino superior.
Considerando apenas administração, foram quase 297 mil alunos matriculados em 2010. Até 2015, porém, houve mais de 182 mil desistências, ou 61,5% to total de matrículas. Assim como na média geral do ensino superior, o maior desfalque no curso aconteceu no segundo ano, com 56,6 mil saídas.
Entre todos os cursos acompanhados pelo Inep, apenas dois tiveram 100% de desistência: química orgânica e mercadologia (marketing). As turmas, porém, eram pequenas, já que apenas 69 e 66 alunos se matricularam nos cursos em 2010, respectivamente.
As formações com menos desistências também tiveram poucos alunos. São elas: formação militar, com 22 ingressantes em 2010 e apenas duas desistências (9,1%), e ciência militar, com 34 matrículas e duas saídas (5,9%).
Já o curso de medicina se sobressai, pois o número de ingressantes em 2010 foi alto (20,3 mil), mas o de desistências até 2015 foi baixo (4,5 mil, ou 22,2%). A formação está entre as 11 com menos desistências entre todos os cursos. Apenas 14 dos 301 cursos têm menos de 30% de desistência.
Foi a primeira vez que o Inep fez esse acompanhamento da trajetória dos universitários. De acordo com o instituto, os dados referentes ao ano de 2016 devem ser divulgados em dezembro deste ano. O Inep também vai avaliar, em uma próxima etapa, se vai considerar apenas como sucesso na graduação a conclusão do curso da primeira matrícula, como é feito atualmente, ou a conclusão de algum curso de graduação.
Quais são os motivos?
Segundo o Inep, não é possível afirmar que o indicador está ligado à qualidade do ensino superior porque o estudo não avaliou os motivos da desistência. De acordo com o governo, a desistência pode estar associada a uma escolha não adequada feita pelo aluno, seja pela área ou pelo grau de dificuldade do curso, ou até por questões econômicas.
Ernesto Faria explica que este pode ser um reflexo da expansão do acesso ao ensino superior na última década que trouxe vantagens, mas, por outro lado, escancara as deficiências de aprendizagem na educação básica.
“Este número retrata como a cultura de chegar ao ensino superior é recente no Brasil, que vive um gargalo na educação básica. O trabalho de expansão do país de acesso ao ensino superior foi interessante, mas mostra um gap de aprendizagem”, afirma Ernesto Faria.
Faria explica que muitas universidades particulares dão reforço para que os calouros consigam acompanhar a turma e é preciso garantir que as instituições consigam, de fato, qualificar os estudantes para o mercado de trabalho. “Este é o desafio.”
Para Sérgio Firpo, professor de economia do Insper, a alta taxa de desistência, entre outros motivos, também está ligada ao modelo de ensino superior brasileiro, que obriga o estudante a escolher uma carreira muito cedo, entre 17 e 18 anos, quando se espera que ele tenha concluído o ensino médio.
“Aos 17 anos, escolher o que você quer para os próximos 50 é meio cruel. Às vezes, é necessário um pouco mais de maturidade. Essa incerteza gera uma alta rotatividade”, diz Sérgio Firpo, professor do Insper
Neste sentido, Firpo lembra que o modelo americano é mais flexível, pois permite que o aluno se especialize ao longo do curso superior e o desobriga a optar por uma carreira logo no início.
O economista não vê como desperdício de dinheiro público as desistências de 16,6% das matrículas em instituições públicas. “O que pode ser um aparente desperdício pode ser um investimento da sociedade de que o aluno se torne um bom profissional. Esse ‘desperdício’ é uma forma de oferecer uma escolha.”
Firpo diz que coibir esta rotatividade é muito difícil, pois qualquer medida que obrigue o aluno desistente de uma vaga em universidade pública a ressarcir o dinheiro pode aumentar ainda mais a desigualdade entre ricos e pobres.
Desistência é menor entre contemplados por programas
Rodrigo Capelato, diretor executivo do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior (Semesp), reforça que as desistências podem estar relacionadas ao fato de o aluno, oriundo da rede pública de ensino, chegar ao ensino superior mal preparado e com dificuldades de acompanhar o curso. E até por isso, na visão dele, é papel das universidades melhorar o engajamento com os alunos e enxergá-los de forma individualizada para garantir a permanência.
“Hoje em dia, é muito mais difícil fazer o aluno gostar do curso do que antes. Por isso, é preciso pensar em inovações na sala de aula, mudança de currículo, trabalhando com projetos em vez de disciplinas, inserção de tecnologia, entre outros”, afirma Rodrigo Capelato.
O diretor lembra, no entanto, entre os alunos beneficiários de programas federais de acesso como Fies e Prouni, os índices de evasão estão abaixo da média. Um levantamento feito pelo Semesp apontou que a desistência entre os ingressos no ensino superior em 2010, considerando os cinco anos seguintes, entre os alunos contemplados pelo Fies foi de 34%, e 37% entre os beneficiados pelas bolsas do Prouni.
De jornalismo a relações internacionais
Um dos que fazem parte da estatística de desistência apresentada pelo Inep é Victor Bussiki, de 26 anos, que começou a cursar jornalismo em uma instituição particular de São Paulo em 2010, mas abandonou no segundo ano.
“Quando você sai do ensino médio não conhece a carreira em profundidade, escolhe por afinidade. Eu gostava da área de humanas e gostava de escrever, mas quando fiz estágio vi que não gostava da atividade profissional.”
Apesar de não estar feliz, Vitor disse que precisou de coragem para abandonar o curso, principalmente porque teria de retornar ao mundo do cursinho e dos vestibulares. Porém, o apoio dos pais facilitou a decisão. Depois de uma orientação vocacional, fez um cursinho intensivo e prestou vestibular para o curso de relações internacionais.
Vitor se formou em 2015 e hoje se prepara seguir a carreira diplomática estudando para o concurso do Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty. Ele conta que está satisfeito com a nova escolha.
“O fato de os alunos saírem do ensino médio mal informados sobre o mercado de trabalho faz com que cometam erros e entrem em cursos em que não tenham qualquer afinidade. O problema é que tem gente que não desiste do curso, mesmo sem gostar”, diz Victor Bussiki.